sábado, 19 de abril de 2014

A propósito.

A propósito de cancro...

Já vi de bastante perto o que o cancro pode fazer. Antes pensava que sabia o que era conviver com o cancro, mas só quando o vi bem de perto é que soube.

Na fase sempre conturbada da adolescência, vi a minha avó ir de saudável até ao outro extremo em cerca de meio ano. Vi tudo aquilo passar à minha frente, ainda assim sem noção do que aquilo tudo era. Custou.

Já adulto, com outra "bagagem", vi o meu padrinho passar pelo mesmo. Vi-o ter o mesmo desfecho. Vi-o ficar pior de dia para dia. Vi-o melhorar, dar-nos esperança, e depois voltar ao mesmo. Vi a vida a esvair. E pior que tudo, tive de levar os meus avós, um de cada vez, a ver o filho a morrer. Ver um filho a morrer...
Desta vez custou mais, desta vez senti mais na pele. Desta vez ficou rancor.

Puta que pariu.

Não há duas sem três.

Agora acompanho o meu avô regularmente à químio. Aquele avô que não faz muito tempo perdeu um filho para a mesma doença. Na altura ela já a tinha, mas não sabia. Não tinha tripa para isso, não sei se não baixaria os braços. Ainda existem heróis, homens à antiga. Vejo-o alegre a conversar na sala de tratamentos, a tentar criar um bom ambiente, onde paira no ar o odor da morte. É verdade, por muito que não gostemos de falar. Às vezes deixamos de ver pessoas que lá iam - ninguém tem coragem de perguntar se ficaram melhores ou se morreram. Apetece-me chorar - não sei se de orgulho ou se de raiva por termos  que passar pelo mesmo - quando olho para as marcas que o tempo foi deixando na cara do meu avô. Admiro-o durante as horas que lá estamos. Admiro como gosta que as pessoas estejam bem à sua volta. Admiro que se preocupe mais em lutar para não deixar a minha avó sozinha do que para não morrer. Ainda o admiro mais quando faz isso tão pouco tempo depois de perder um filho.

Não me leves o meu avô.

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