domingo, 30 de março de 2014

Teria...

Calmamente repousou sobre a folha cheia de orvalho.
Com a vibração toda a água escorreu, e fluiu pelo caule abaixo, espalhado-se pelo chão.
A pequena formiga olhou para cima, e por entre os raios de sol viu a beleza da borboleta.

Nunca uma formiga tinha ousado falar com algum insecto de outra espécie, era proibido. Aliás, apenas uma vez tinha acontecido, quando uma das pequenas formigas tinha implorado para que o gafanhoto não a comesse. Quebrou o voto de silêncio, teve de morrer. Ninguém pode saber que falam.

A formiga subiu timidamente o caule, meio ofuscada pela beleza exuberante da vistosa borboleta.

-Tu, tu és nova aqui? - perguntou timidamente.

A borboleta olhou assustada e nada disse.

-Podes responder que não te faço mal. - acrescentou.

-Sou, venho do norte e vou em direcção a sul. A neve está a chegar e nós não fomos feitas para ela.

-Fazem bem. Nunca vi uma criatura tão bonita. Existem mais como tu? - falou a borboleta.

-Somos muitas. Mais que possas imaginar. Às vezes, quando voamos juntas, parecemos nuvens...

-Eu nunca saí daqui. Como é voar, como são os outros lugares? - perguntou a visivelmente apaixonada formiga.

-Anda cá, mostro-te.

A pequena formiga, subiu para as costas da borboleta. E a borboleta começou a voar.
O movimento gracioso das grandes asas começou a abrandar. Começaram a descer.

-O que se passa? - perguntou a formiga.

Nem uma palavra.

-O que se passa? Estamos a cair! - gritou aflita.

Nada.

Caíram com um estrondo, imperceptível tal era a sua pequena insignificância.
A formiga abriu lentamente os olhos. Estava rodeada de outras pequenas formigas.

Tinham abatido a borboleta. Ninguém podia saber que falavam. Ninguém.

Iria morrer também.
Teria sido uma bonita história de amor.

Teria...


Sem comentários:

Enviar um comentário